Diabetes

DIABETES - PREVENCAO E CONTROLE.





Tratamento do Diabetes Mellitus do Tipo 2: Novas Opções

 DIABETES MELLITUS DO TIPO 2 (DM2) ou não insulino-dependente e a intolerância à glicose têm se tornado um dos distúrbios mais comuns em clínica médica e estão freqüentemente associados à síndrome metabólica, que se caracteriza por resistência à insulina, obesidade andróide ou central, dislipidemia e hipertensão arterial (1,2). A síndrome metabólica é responsável pela maior morbi-mortalidade por doenças cardiovasculares tanto em obesos quanto em diabéticos tipo 2.
O tratamento atual do DM2 visa manter o controle glicêmico adequado, seja com dieta hipocalórica, aumento da prática de exercícios físicos ou uso de medicações. Existem no momento diversas opções terapêuticas, que podem ser utilizadas isoladamente ou em associações: sensibilizadores da ação de insulina (metformina, tiazolidinedionas), anti-hiperglicemiantes (acarbose), secretagogos (sulfoniluréias, repaglinida, nateglinida), drogas anti-obesidade e/ou insulina. O Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) (3), um estudo prospectivo multicêntrico sobre as diversas formas de tratamento com insulina no DM1 e, mais recentemente, o United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) (4), em DM2 tratados com dieta, insulina e/ou hipoglicemiantes orais, mostraram a fundamental importância do controle glicêmico na prevenção ou redução das complicações micro e macrovasculares. O UKPDS mostrou que o desenvolvimento de complicações microvasculares no DM2 foi reduzido, quer tratados com sulfoniluréia, metformina ou insulina, mas apenas os pacientes tratados com a metformina apresentaram diminuição significativa das complicações macrovasculares (4). O UKPDS também mostrou que ocorre uma piora progressiva da função da célula beta pancreática, independente do tipo de tratamento, e que após 9 anos de tratamento apenas 25% dos diabéticos continuam a responder à monoterapia, sendo necessário associações de múltiplos recursos para melhor controle glicêmico.
E essencial conscientizar o diabético da sua participação no controle glicêmico, com determinação de glicemia capilar, como proceder em situações de hiper ou hipoglicemia, nas infecções e na gravidez. Isto melhora o controle do DM e diminui a freqüência de internações hospitalares.

DIETA
A alimentação do diabético deve ser individualizada de acordo com as necessidades calóricas diárias, atividade física e hábitos alimentares. No indivíduo não diabético, calcula-se o gasto calórico como sendo de 30 a 40 calorias/kg/dia. No DM2 obeso, o que ocorre em 85 a 90% dos casos, dever-se-á diminuir o valor calórico diário em 15 a 30% ou mais. Isto por si só já reduziria três dos fatores de risco para doença cardiovascular, que são: a obesidade, a dislipidemia (presente em cerca de um terço dos diabéticos) e a hipertensão arterial. Uma dieta hipocalórica por si só melhora a sensibilidade à insulina e reduz a hiperglicemia, independente da perda de peso.
Quanto ao teor dos carboidratos da dieta, recomenda-se de 50 a 60% do total de calorias. Deve ser incentivado o consumo de alimentos ricos em fibras, 20 a 35g por dia, as quais estão presentes nos legumes, raízes e tubérculos (5). As fibras agem retardando o esvaziamento gástrico, diminuindo a absorção intestinal de glicose e os níveis de LDL-colesterol, além de facilitar o trânsito intestinal. O teor de proteínas deve ser entre 10 e 20% do total das calorias, uma vez que a dieta rica em proteínas e a hiperglicemia podem aumentar a taxa de filtração glomerular e ainda não se sabe se interferem na progressão da nefropatia diabética. Para pacientes com nefropatia, recomenda-se 0,6 a 0,8 g/kg de peso de proteína ou menos. As proteínas de origem vegetal têm a vantagem de conter muito menor teor de gordura do que a animal, as quais geralmente são insaturadas. O teor de gorduras deve ser menor do que 30% do total de calorias da dieta, evitando-se as gorduras saturadas, de procedência animal, além das exceções vegetais, a do coco e a do dendê. A ingestão de colesterol deve ser menor que 300mg por dia. Recomenda-se 10% de gordura poli-insaturada (óleo de soja, milho, arroz) e 10% de gordura mono-insaturada (óleo de oliva, canola, etc) e 10% ou menos de gordura saturada (5).
Se existe hipercolesterolemia associada, deve-se limitar a ingesta diária de gorduras saturadas para menos do que 7% do total e o colesterol menor do que 200 mg/dl. Se existe hipertrigliceridemia, além de se incentivar a perda de peso, a atividade física e a restrição de álcool, recomenda-se que o teor de gorduras seja de 20% ou menos do total de calorias (10% saturada e poli-insaturada e 10% em mono-insaturada) e a redução da ingesta de carboidratos de absorção rápida.

EXERCÍCIOS FÍSICOS
O exercício melhora a sensibilidade à insulina, diminui a hiperinsulinemia, aumenta a captação muscular de glicose, melhora o perfil lipídico e a hipertensão arterial, além da sensação de bem-estar físico e psíquico decorrente; também pode contribuir para a perda de peso. Deve ser feita cuidadosa avaliação quanto à presença de complicações macro e microvasculares no DM, para definir os tipos de exercícios mais apropriados, se neuropatia, nefropatia e/ou retinopatia estiverem presentes (6).
Deve-se evitar a aplicação de insulina nos locais adjacentes aos principais músculos envolvidos, para evitar absorção mais rápida da insulina. Recomenda-se caminhadas pelo menos 3 a 4 vezes por semana durante 30 a 40 minutos. Os relatos na literatura sugerem que a prática de exercício físico induz uma diminuição dos níveis de triglicérides de 11 a 16%, do colesterol de 3 a 10% e aumento do HDL-colesterol em 3% (7).
No indivíduo com glicemia abaixo de 100 mg/dl, os exercícios físicos podem provocar hipoglicemia e, a depender do tipo e duração do exercício, recomenda-se um pequeno lanche rico em carboidrato antes de iniciá-lo. Já o diabético com níveis glicômicos maiores do que 250 mg/dl com cetose ou maiores do que 300 mg/dl, deve evitá-los.
Um estudo prospectivo em 110.660 indivíduos seguidos por 6 anos mostrou que a prática diária de exercícios físicos diminuiu a incidência de DM em 46% (8).

HIPOGLICEMIANTES ORAIS, ANTI-HIPERGLICEMIANTES E SENSIBILIZADORES DA AÇÃO DE INSULINA
O uso destas medicações está indicado no DM2, quando com a dieta e o aumento da atividade física não forem capazes de obter um bom controle, ou seja, glicemias de jejum e pós prandial e hemoglobina glicosilada próximos aos níveis normais (7,8).
No DM2 obeso, a prioridade é a perda de peso. Caso não se consiga após 4 a 6 semanas controle glicêmico adequado, podem ser indicadas inicialmente drogas que sensibilizam a ação de insulina (biguanida e tiazolidinediona), associadas ou não a drogas anti-obesidade. Caso ainda não se consiga um controle glicêmico satisfatório, podem ser associadas drogas que diminuam a absorção intestinal de glicose (acarbose ou miglitol), ou que aumentem a secreção de insulina (sulfoniluréia, repaglinida ou netaglinida).
No diabético tipo 2 de peso normal ou com excesso de peso (índice de massa corpórea <30 kg/m2), pode ser tentado inicialmente sulfoniluréia, repaglinida ou nateglinida e, se após 2 a 4 semanas não obtiver um controle glicêmico adequado, podem ser associados biguanida, tiazolidinediona ou um inibidor da absorção intestinal de glicose.
1. Biguanidas
Em relação às biguanidas, temos disponíveis a metformina e a fenformina, sendo a primeira mais utilizada, pela menor freqüência de efeitos colaterais (8-14).
A metformina melhora a ação da insulina no fígado, diminuindo a produção hepática da glicose em 10 a 30% e, no músculo, aumentando a captação de glicose em 15 a 40% e estimulando a glicogênese. No adipócito, a metformina inibe a lipólise e a disponibilidade de ácidos graxos livres (FFA). Tem sido descrito que esta droga aumenta o número e melhora a afinidade dos receptores de insulina, tanto no adipócito, quanto no músculo. A nível celular foi demonstrado que a metformina aumenta a atividade da tirosinaquinase do receptor da insulina, estimulando a translocação do GLUT4 e a atividade da glicogênio-sintetase (10). A secreção de insulina aos estímulos pode permanecer inalterada ou diminuir. Ocorre também melhora do perfil lipídico, com diminuição de 20 a 25% nos níveis de triglicérides e de até 10% do LDL-colesterol, e aumento de até 17% dos níveis de HDL-colesterol, com diminuição de 20 a 30% do fator inibidor de ativação do plasminogênio (PAI-1). Seu efeito anorético auxilia na perda de peso. A outra vantagem é não provocar hipoglicemia, por não estimular a secreção de insulina.
No DM2, o uso isolado de metformina diminui a glicemia cerca de 25%, ou 60 a 70 mg/dl e a hemoglobina glicosilada em 1,5 a 2% (9). Foi demonstrado, também, que a eficácia do controle glicêmico pela metformina é similar à da sulfoniluréia, além de estar associada à redução ponderal, tão importante no DM2 (11). O estudo multicêntrico do UKPDS em diabéticos acompanhados por cerca de 11 anos mostrou que o controle intensivo da glicemia pelo uso de metformina diminuiu significativamente os riscos de doença cardiovascular e a mortalidade relacionada ao DM, associado com menor ganho de peso e sem a inconveniência das hipoglicemias induzidas pelo tratamento com insulina ou sulfoniluréias (13). Neste estudo, contudo, o número de pacientes diabéticos tratados com a metformina foi menor que 10% do total de pacientes observados.
A metformina é apresentada em comprimidos de 500 e 850mg e a dose máxima a ser utilizada é de 2,5g/dia, embora na literatura haja relato de uso de até 3g (9), sempre administrada após as refeições para minimizar os efeitos gastrointestinais. A metformina é absorvida no intestino e excretada pelos rins, quase não sendo metabolizada pelo fígado, enquanto 30% da fenformina têm metabolização hepática. A metformina também difere da fenformina por ter baixa afinidade pelas membranas mitocondriais e por não interferir na fosforilização oxidativa. Está indicada como monoterapia nos diabéticos obesos ou mesmo intolerantes à glicose. Cerca de 5 a 10% dos pacientes por ano deixam de ter uma resposta adequada. Quando não se consegue um controle satisfatório, pode ser utilizada em associação com sulfoniluréia (14), acarbose (15), tiazolidinediona (16), repaglinida (17) e/ou insulina (8,12).
Os efeitos colaterais mais freqüentes são diarréia (15%), gosto metálico e náuseas, os quais por vezes diminuem com a continuidade do uso da medicação. Diminuição da absorção da vitamina B12 tem sido descrita. A metformina tem efeito sinérgico com a cimetidina (9). Acidose lática com o uso de metformina é rara (0,03 a 0,4/1000/ano) e tem sido mencionada na maioria das vezes em indivíduos nos quais esta droga estaria contra-indicada, tais como doença crônica do fígado com elevação de transaminases 2 a 3 vezes os valores normais, insuficiência cardíaca, respiratória ou renal (clearance <70 ml/min ou creatinina sérica ³ 1,5mg/dl). Não é aconselhável o seu uso em indivíduos com mais de 80 anos, gestantes, lactentes ou em alcoólatras. Em paciente com proteinúria que for submetido a exame radiológico contendo iodo, é prudente suspender a medicação alguns dias antes e receber uma hidratação adequada.
2. Inibidores da Alfa-glicosidase
Os inibidores competitivos da alfa-glicosidase, como a acarbose, o miglitol e a voglibose agem como antagonistas enzimáticos da amilase e sucrase e diminuem a absorção intestinal da glicose (18,19). Estas medicações não interferem na secreção de insulina, e diminuem a glicemia de jejum e a hiperglicemia pós-prandial. Observou-se diminuição dos níveis de triglicérides com o uso de miglitol.
Os efeitos colaterais mais freqüentes são flatulência (20 a 55%), diarréia (3 a 14%), dores abdominais (8 a 21%) e elevação das transaminases, que têm relação com a dose utilizada e são atenuados com a continuidade. A acarbose é disponível em comprimidos de 50 e 100mg, devendo ser administrada com a primeira porção das principais refeições. A dose diária máxima é de 300mg, embora seja referido o uso de até 600mg. Podem ser associadas a outro antidiabético oral ou insulina (15,20). Deve ser ressaltado que, em caso de hipoglicemia, recomenda-se à administração de glicose oral, uma vez que a sacarose não é absorvida.
As contra-indicações para o uso desta droga são as doenças intestinais inflamatórias, gravidez e lactação, insuficiência hepática ou renal grave.
3. Tiazolidinedionas
Nos Estados Unidos da América e em alguns países da Europa, outras classes de hipoglicemiantes derivadas da tiazolidinediona (23,24) estão disponíveis comercialmente há algum tempo, tendo recentemente sido retirada do mercado a troglitazona, devido à toxicidade hepática.
As tiazolidinedionas de segunda geração, rosiglitazona e pioglitazona, agem aumentando e sensibilizando a ação da insulina no fígado, músculos e adipócitos, diminuindo a resistência periférica. Elas ativam os receptores nucleares intracelulares (PPAR-g, peroxisome proliferator activated receptor) que regulam a expressão de genes que afetam o metabolismo glicídico e lipídico, responsáveis pela captação de glicose mediada por insulina nos tecidos periféricos e pela diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos, entre outros efeitos. As tiazolidinedionas aumentam a expressão dos transportadores de glicose (GLUT4), da lipoproteína lipase e reduzem a expressão da leptina e do fator de necrose tumoral (TNF-alfa).
As tiazolidinedionas inibem a oxidação de cadeias longas de ácidos graxos no fígado, diminuindo a gliconeogênese e a disponibilidade de ácidos graxos livres. Embora induzam a diminuição de 15 a 20% dos níveis de triglicérides e aumento de 5 a 10% do HDL-colesterol, os níveis de colesterol total e do LDL-colesterol podem não se alterar ou aumentar de 10 a 15%. É possível que as tiazolidinedionas diminuam a progressão da aterosclerose, pois em ratos submetidos à injúria arterial a troglitazona inibiu o crescimento das células da musculatura lisa vascular e da hiperplasia da íntima. Em diabéticos tratados com troglitazona foram observadas diminuições da adesividade plaquetária, do fator inibidor de ativação do plasminogênio (PAI-1) e dos níveis pressóricos. Estes múltiplos efeitos fortalecem a sua indicação no tratamento da síndrome metabólica.
As tiazolidinedionas diminuem os níveis glicêmicos em torno de 20%, mas não aumentam a secreção de insulina. Quando comparada à metformina, observou-se que a troglitazona têm maior efeito potencializador da ação periférica da insulina e menor efeito em diminuir a produção hepática de glicose (16). A associação de tiazolidinediona com metformina é interessante, pois tem efeitos aditivos. A pioglitazona pode alterar os níveis de drogas de metabolização pelas enzimas P45, diminuindo cerca de 30% os níveis de etinil-estradiol e noretindrona, devendo ser aumentada a dose de contraceptivos naquelas diabéticas que não desejam engravidar. Pode ser utilizada como monoterapia ou em associação com a metformina, com a qual tem efeito anti-hiperglicemiante potencializado, ou com a sulfoniluréia, meglitinida, ou mesmo insulina, especialmente naqueles diabéticos com síndrome metabólica. Entretanto, devido à possibilidade de complicações hepáticas, inclusive relato de casos fatais com o uso de troglitazona, recomenda-se cautela com a sua indicação, como também em cardiopatas, pela possibilidade de edema.
A rosiglitazona é mais potente e tem menor toxicidade hepática do que a troglitazona (24), não induzindo metabolismo pelo citocromo P450(CYP) 3A4, e não havendo, assim, interação com contraceptivos orais, digoxina, ranitidina e nifedipina, entre outras. A dose indicada da rosiglitazona varia de 4 a 8mg, e da pioglitazona de 15 a 45mg, podendo ambas serem administradas uma vez ao dia. A farmacocinética de ambas não é alterada pela insuficiência renal leve a moderada, não requerendo alteração da dose.
Os efeitos colaterais ocorrem em menos de 5% dos pacientes: infecções do trato respiratório superior, cefaléia, elevação de transaminases, edema, aumento de peso e anemia. Hipoglicemia pode ocorrer quando o seu uso for concomitante com secretagogos ou insulina. Contraindica-se o seu uso em crianças, gravidez, hepatopatias ou em indivíduos com elevação dos níveis de transaminases de 2 a 3 vezes os valores de referência.
A pioglitazona também tem menor toxicidade hepática que a troglitazona, mecanismo de ação e efeitos colaterais similares a rosiglitazona, mas tem interação com algumas medicações, entre as quais etinil-estradiol e noretindrona, diminuindo sua concentração em 30%, com perda do efeito contraceptivo.
4. Sulfoniluréias
As sulfoniluréias (SU) de primeira geração, como a clorpropamida, têm meia vida mais longa (36 a 60h), devido à formação de metabólitos com excreção mais lenta. Já as de 2ª geração, como a glibenclamida, gliclazida e glipizida e as de 3ª geração, como a glimepirida, têm meia vida mais curta, de 8 a 16h (7,8). A escolha do tipo da SU depende da idade do paciente, da tolerabilidade e da resposta à medicação. A glicazida diminui a oxidação de LDL-lipoproteínas e a adesão de monócitos no endotélio. Existem receptores de SU específicos na célula beta pancreática e em outros tecidos. A glimepirida, a mais recente das SU, tem maior ligação com as proteínas do pâncreas (canais de potássio ATP-sensíveis, KATP) e menor ligação com as do miocárdio, em relação às outras SU. A glimepirida tem associação e dissociação mais rápida com os sítios de ligação dos receptores de SU, levando a uma liberação mais rápida e duração da ação mais curta da insulina.
O mecanismo de ação das SU não está bem esclarecido. No DM2, uma das possíveis causa da perda da sensibilidade da célula beta pancreática ao estímulo da hiperglicemia, está na regulação dos canais de KATP. A nível celular, as SU agem inibindo os canais de KATP, despolarizando a célula beta pancreática e estimulando o influxo de Ca2+ e a secreção de insulina.
A curto prazo, as SU aumentam a secreção de insulina, mas a longo prazo (mais de 6 meses), a secreção de insulina pode estar igual ou até diminuída em relação aos níveis iniciais, mas o efeito hipoglicemiante persiste e possivelmente está relacionado aos efeitos extra-pancreáticos (25). Alguns estudos sugerem que elas aumentem o número de receptores de insulina e/ou tenham efeito pós-receptor, facilitando as ações da insulina. As SU não restauram a primeira fase de secreção de insulina ao estímulo da glicose venosa, mas exageram a segunda fase, daí a importância de usar SU de ação mais curta.
A principal indicação de SU é em DM2, com peso normal ou magro, nos quais os níveis de insulina estão normais ou diminuídos, nos quais não se consiga um controle satisfatório com dieta e exercícios, na ausência de infecção ou cetose.
Recomenda-se iniciar com um comprimido, em jejum, observar a resposta por 2-3 semanas e, se necessário, aumentar a dose. A dose máxima diária varia para cada droga: clorpropamida - 500mg, glibenclamida - 20mg, gliclazida - 320mg, glipizida -20mg e glimepirida - 8mg. Os comprimidos devem ser administrados em jejum ou antes da refeição. Quando o controle glicêmico não for satisfatório, as SU podem ser associadas a metformina (14) e/ou à acarbose (20), à troglitazona (22,23) ou à insulina (26). Foi descrito ainda uso de associação de glibenclamida com mais duas outras drogas hipoglicemiantes: metformina e acarbose (27).
Os efeitos colaterais são observados em 3 a 5% dos pacientes: hipoglicemia, alterações hematológicas (leucopenia, agranulocitose, trombocitopenia e anemia hemolítica) e gastro-intestinais (náusea, vômito, mais raramente icterícia colestática) e reações alérgicas. Pacientes em uso de clorpropamida podem apresentar sensação de calor e vermelhidão após uso concomitante de bebidas alcoólicas (efeito antabuse).
Outro efeito indesejável é a tendência ao aumento de peso, relacionado ao aumento dos níveis insulinêmicos. A hipoglicemia é mais comum com o uso de SU de ação prolongada, que têm ligação iônica com as proteínas plasmáticas e pode ser potencializada pelo uso concomitante de salicilatos, sulfa, fenilbutazona, isoniazida, álcool e fibratos, entre outros. Pode haver interação da glimepirida com o miconazol e potencial interação com drogas de metabolização pelo citocromo P450 II C9. A cardiotoxidade das SU ainda não está definida, embora alguns estudos sugiram que pode agravar a hipoxemia do miocárdio no caso de doença coronariana.
Cerca de 30% dos diabéticos pode ter falha primária à SU e os fatores preditivos são: idade menor que 40 anos, duração do DM maior que 5 anos e peso normal ou baixo. Falha secundária é também comum após anos de uso de SU. O UKPDS mostrou que ocorre uma progressiva perda da função da célula beta pancreática independente do tipo de tratamento. Após 6 anos de uso de SU apenas 52%dos pacientes continuam a ter uma função da célula beta pancreática adequada (4).
A metabolização das SU é hepática (cerca de 60%) e a excreção é renal. As contra-indicações para seu uso são a presença de insuficiência hepática ou renal, gravidez, presença de infecção, cetose e no DM secundário a pancreatite. Nos indivíduos idosos (mais de 60 anos) e nefropatas, evita-se o uso de SU de primeira geração.
5. Outros Secretagogos de Insulina: Repaglinida e Nateglinida
A meglitinida é um grupo de substâncias derivadas do ácido benzóico (dentre as quais a repaglinida), que aumenta a secreção de insulina, com ação semelhante à da SU, bloqueando os canais de KATP da célula beta pancreática, mas atuando na subunidade reguladora desses canais em sítios de ligação diferente das SU.
Nos indivíduos com DM2 ocorre perda da secreção rápida ou precoce da insulina, responsável pela supressão da produção hepática da glicose, limitando a hiperglicemia pós-prandial e o hiperinsulinismo tardio, e melhorando a tolerância a glicose, com redução do risco de hipoglicemia interprandial. As meglitinidas restauram esta secreção e, portanto, diminuem a hiperglicemia pós-prandial, à qual tem sido atribuído papel importante na patogênese das complicações do DM.
A repaglinida é rapidamente absorvida e sua ação começa dentro de 30 minutos, facilitando a fase de secreção rápida de insulina, devendo ser administrada imediatamente antes ou com a refeição, para evitar hipoglicemia. Um estudo comparativo entre gliburida e repaglinida mostrou que o efeito hipoglicemiante é similar (28). A repaglinida tem metabolização hepática, sendo 90% excretada pela bile; assim, deve ser evitada em pacientes com doença hepática. Seu metabolismo é alterado por drogas que induzem o citocromo P4503A4, como: cetoconazol, eritromicina, etc. Os efeitos colaterais mais freqüentes são hipoglicemia, ganho de peso, sintomas de rinite e sinusite, cefaléia, diarréia e artralgias. Pode ser utilizada como monoterapia ou ser associada à metformina (17,29) ou às glitazonas.
A nateglinida é derivada de um aminoácido, a D-fenilalanina, e age restaurando a fase de liberação rápida da insulina e evitando os picos hiperglicêmicos pós-prandiais. A nateglinida tem início de ação rápido e tem o pico da insulina um pouco mais rápido do que a repaglinida (0,78 vs 0,92h), com menor duração de ação. A nateglinida tem maior seletividade pelos canais de KATP dependente do pâncreas do que das células cardíacas e dos vasos. Recomenda-se ser administrada imediatamente antes da alimentação e a sua absorção não sofre interferência da composição alimentar.
A dose varia de 60 a 120mg três vezes ao dia, a depender do controle glicêmico obtido, e pode ser associada a outras drogas. Os estudos preliminares com o uso de nateglinida em associação com metformina ou troglitazona, quando comparado a monoterapia apenas com metformina ou troglitazona, sugerem que ambas as combinações são sinérgicas com maior redução dos níveis glicêmicos do que com a monoterapia. Embora hipoglicemia sintomática seja rara (<2%), porque sua ação na célula beta pancreática é proporcional à concentração de glicose, ela pode ocorrer quando não administrada com refeição ou após exercício físico extenuante.
A nateglinida não tem interação com outras medicações que competem pelos componentes do sistema P450. A nateglinida pode ser utilizada em indivíduos com >75 anos e com doenças concomitantes, inclusive nefropatia. Recomenda-se evitar seu uso em DM1, cetoacidose, gravidez e no período de amamentação.

DROGAS ANTI-OBESIDADE
Uma vez que uma dieta hipocalórica com redução de peso é por si só capaz de controlar os níveis glicêmicos, em muitos pacientes diabéticos tem-se dado mais ênfase no tratamento da obesidade (7,29), podendo tentar o uso de medicações anti-obesidade. Diversas drogas são disponíveis no momento: catecolaminérgicas (anfepramona, femproporex, mazindol), serotoninérgicas (fluoxetina, sertralina) e de ação mista catecolaminérgica e serotoninérgica (como a sibutramina), que agem no controle do apetite e na indução de saciedade.
A sibutramina (cápsulas de 10 e 15mg) (30,31) e considerada uma droga de ação combinada de efeitos catecolaminérgicos e serotoninérgicos, inibindo a recaptação de serotonina e de noradrenalina. Estes efeitos no sistema nervoso central levam ao aumento da saciedade e têm uma discreta ação aumentando a termogênese, por ativação dos receptores beta3 adrenérgicos no tecido gorduroso. A tolerância é muito boa, mas pode ocorrer discreta elevação da pressão e do pulso em alguns pacientes, daí um cuidado maior em cardiopatas (32).
O orlistat ou tetra-hidrolipstatina (cápsulas de 120mg), é um inibidor da lipase intestinal que diminui em 30% a absorção de gorduras. Além da perda de peso, ocorre melhora do perfil lipídico (31,33). Os estudos mais prolongados de uso desta droga, tem mostrado manutenção da perda de peso a longo prazo. O orlistat tem também boa tolerância e os efeitos colaterais mais freqüentes são diarréia com fezes gordurosas e flatulência. Um estudo multicêntrico em 391 diabéticos tratados com orlistat (360 mg) por um ano, mostrou perda de peso duas vezes maior do que com placebo inicial após um ano, com significativa melhora do controle e do perfil lipídico e diminuição da dose de hipoglicemiante (33).

INSULINA
A indicação da insulina no tratamento do DM2 reserva-se para diabéticos sintomáticos, com hiperglicemia severa, com cetonemia ou cetonúria, mesmo recém-diagnosticados, ou para diabéticos que não respondam ao tratamento com dieta, exercício e/ou hipoglicemiante oral, anti-hiperglicemiante ou sensibilizadores da ação de insulina (35).
A associação de insulina e hipoglicemiante oral parece ser benéfica em alguns casos, (8,12,26). Naqueles pacientes que têm hiperglicemia pós-prandial, o uso de metformina, acarbose, repaglinida ou nateglinida, pode melhorar o perfil glicêmico, reduzir a dose de insulina e minimizar o aumento de peso (13,35,36).
A insulina humana e a insulina suína associam-se freqüentemente em hexâmeros e a velocidade de dissociação em monômeros e a de absorção pelo subcutâneo são lentas. Como conseqüência, a glicemia 1 a 2h após a refeição se eleva muito. Quando se administra insulina regular ou simples por via subcutânea resulta numa inapropriada hiperinsulinemia (4 a 5h após), a qual aumenta a chance de hipoglicemia interprandial. Os análogos de insulina de ação mais rápida do que a insulina humana diminuem este risco (37,38).
Diversos tipos de análogos de insulina já foram recentemente sintetizados: a lispro, a aspart e a glargina (38). A insulina lispro (Humalog), tem ação ultra-rápida e a lispro NPL (neutralprotamine lispro), tem ação intermediária (39). A lispro tem troca das posições da prolina e lisina na cadeia beta da insulina, com mais rápida dissociação de dímeros e hexâmeros em monômeros, com mais rápida absorção e ação da insulina. O pico da lispro ocorre 1h após sua administração, com duração de efeito durante 4h. A insulina aspart (Novorapid) tem uma substituição de prolina por ácido aspártico na posição 28 da cadeia beta da insulina e o seu pico e duração de ação é semelhante à insulina lispro. A insulina glargina (Lantus), tem ação intermediária, a qual tem modificação no peptídio terminal da cadeia beta da insulina com adição de duas moléculas de arginina e troca do aminoácido asparagina por glicina na cadeia alfa da insulina, o que lhe confere maior estabilidade e absorção contínua, mais lenta e mais prolongada, sem pico, o que a difere da insulina NPH, com menos episódios de hipoglicemia noturna. A insulina glargina não deve ser misturada com insulinas de ação rápida, mas pode ser associada à insulina lispro.
Os esquemas de administração de insulina são múltiplos. Alguns estudos sugerem que o uso de insulina de ação intermediária ao deitar associada a anti-diabético oral durante o dia é uma boa opção

PARÂMETROS DE BOM CONTROLE
As determinações periódicas da hemoglobina glicosilada ou frutosamina são de grande utilidade no acompanhamento do diabético visando obtenção de um controle adequado. Considera-se bom controle quando as glicemias pré e pós-prandiais estão entre 80 e 120mg/dl no sangue total ou 90 e 130mg/dl no plasma, antes do deitar entre 100 e 140mg/dl no sangue total ou 110 e 150mg/dl no plasma e níveis de hemoglobina glicosilada menores que 7% ou do limite máximo dos valores normais para o método (41). Estes níveis podem ser maiores nos pacientes com história de hipoglicemias severas recorrentes, doença cardiovascular ou cérebro-vascular avançada e doença renal em estágio final. A frutosamina pode também ser utilizada para acompanhamento de gestantes ou para verificar o controle glicêmico nos últimos 15 a 21 dias, que é a meia vida da albumina.
É também importante o controle da dislipidemia, quando presente. Os níveis de LDL-colesterol devem ficar abaixo de 100mg/dl, de HDL-colesterol maiores do que 45mg/dl nas mulheres e 35mg/dl nos homens e de triglicérides abaixo de 200mg/dl, nem que seja necessário o uso de medicações hipolipemiantes (41). Considerando que o DM e uma doença em que há concomitância de vários fatores de risco para doença cardiovascular, sugere-se até que os níveis de triglicérides devam ser menores do que 150mg/dl.
O UKPDS mostrou que o controle da hipertensão arterial é essencial na diminuição da morbi-mortalidade por doenças macro-vasculares em pacientes com DM2, sugerindo inclusive prioridade na normalização da tensão arterial, comparada com a busca da normoglicemia (4).
Para monitorização glicêmica domiciliar, os glicosímetros têm sido utilizados. Comercialmente existem vários tipos de glicosímetros, cada qual com sua fita reagente apropriada, que diferem entre si pelo tempo de leitura, além de outros recursos, como memória para armazenamento das leituras das glicemias, adaptação a computador, etc. O número de testes a serem feitos diariamente é variável. Quando o DM já está bem controlado, este número pode ser reduzido a 1 ou 2 leituras (antes do desjejum e antes ou 2h após o jantar). Os testes de glicosúria com os redutores de cobre ou com inibidor da glicose-oxidase podem ser utilizados como alternativas, quando não há alteração da função renal.
A melhora do controle glicêmico do DM previne as complicações agudas e crônicas, diminui a morbi-mortalidade por doenças cardiovasculares e melhora a qualidade de vida do diabético.


O QUE É MELHOR PARA O PACIENTE COM DIABETES DO TIPO 2 ?

Tratamento Clínico ou Cirúrgico.

A efetividade da cirurgia bariátrica na melhoria do diabetes do tipo 2 foi originalmente atribuída principalmente às mudanças dietéticas e à perda de peso. Recentemente várias linhas de trabalhos sugerem que procedimentos cirúrgicos, especialmente o conhecido como bypass em Y, técnica de Roux,(RYGB), tem efeitos glicêmicos independentes da perda de peso.

Entre os trabalhos menciona-se:

1. Estudos em animais mostram que a alteração fluxo entérico do duodeno, como ocorre na RYGB melhora o diabetes do tipo 2 mesmo em animais não obesos.
2. Pacientes submetidos a RYGB mostra grandes melhoras precocemente, quando comparados com que aqueles que se submeteram laparoscopicamente às técnicas de banda gástrica (LABG) com a mesma dieta pós-operatória.
3. Os pacientes que se submeteram à técnica RYBG, quando comparados com os que fizeram LABG, mostram melhora na sensibilidade à insulina e da função da célula beta.
4. Um pequeno grupo de pacientes desenvolveu, após RYGB, hipoglicemia hiperinsulinêmica e que apareceu no período de maior perda de peso.
5. Foi demonstrado que a técnica RYGB altera o teste de tolerância à glicose, a dinâmica de liberação de insulina e outras medidas metabólicas.

As idéias iniciais é que estas alterações ocorriam devido aos processos de mal absorção causados pela cirurgia, entretanto hoje existe um reconhecimento que são devidas aos eventos neuronais e às alterações dos hormônios gastrointestinais. Isto envolve a comunicação direta com o Sistema Nervoso Central que regula o comportamento alimentar, o balanço de energia e as alterações metabólicas no fígado, tecido adiposo, músculo e pâncreas. Isto indiretamente altera a glicemia, a secreção e a ação da insulina.

Os estudos das mudanças entero-hormonais após os vários tipos de cirurgias bariátricas e como elas alteram o metabolismo é um campo novo na medicina.
Em 1991, o Instituto de Saúde Americano, após ouvir especialistas, recomendou a cirurgia bariátrica, para o tratamento de pacientes com obesidade que estivessem informados e motivados para a realização do procedimento. O requisito é que o IMC fosse acima de 40kg/m2, ou entre 35 e 40 kg/m2 para aqueles que apresentassem co-morbidades, aqui incluindo o diabetes.

Em 2010, estas diretrizes foram modificadas, por outro grupo de consultores que recomendaram baixar estes critérios. Assim, para aqueles com co-morbidades o IMC poderia ser maior que 30 kg/m2. O documento considera a cirurgia uma opção para diabéticos com IMC (índice de massa corporal) entre 30 e 35. No entanto, essa indicação para pessoas com obesidade leve só vale em casos excepcionais, quando o diabetes não é controlável clinicamente e há risco cardíaco.

Em março de 2011, a Sociedade Internacional de Diabetes reuniu nos Estados Unidos, um grupo de especialistas e divulgou um documento denominado “The IDF Taskforce on Epidemiology and Prevention". O texto afirma que a prioridade da cirurgia continua sendo para pacientes com obesidade mórbida (IMC acima de 40), ou moderada (acima de 35) com doenças relacionadas, como o diabetes.

No Brasil, o Conselho Federal de Medicina estabelece que a cirurgia só é indicada para essas duas situações.

As recentes observações demonstram que os procedimentos de cirurgia bariátrica reduz a incidência do diabetes do tipo 2 e diiminuem substancialmente os riscos em muitos pacientes com pré-diabetes. Em grande parte dos estudos tem sido obtidos HbA1c < 7% nos pacientes que fazem cirurgia bariátrica. Os mais beneficiados são aqueles que realizam a cirurgia mais precocemente. As avaliações de custo/ benefício que comparam os tratamentos clínicos com medicamentos versus os cirúrgicos, são também favoráveis aos procedimentos operatórios. O tratamento do diabetes do tipo 2 com cirurgia bariátrica permanece ainda controverso entre os endocrinologistas clínicos, isto porque para muitos, os estudos são insatisfatórios, pelo pequeno número de casos, ou mal desenhados e sem um seguimento (follow-up) adequado. A segunda razão é o aparecimento de uma série de novas drogas, tais como: biguanidas, inibidores de alfa glicosidase, thiazolidinedionas, glinidas, análogos de GLP1, análogos de amylina, inibidores de dipetidyl peptidase-IV, sequestrantes de ácidos biliares, agonistas de receptores de dopamina. É necessário chamar a atenção, que assim como os procedimentos cirúrgicos, a utilização destes medicamentos, ainda, necessita de mais tempo para serem avaliados. Lições obtidas a partir dos procedimentos cirúrgicos podem informar não apenas qual é o melhor procedimento, como também podem levar ao desenvolvimento de novas terapias médicas, intervenções gastrointestinais, ou uma combinação de abordagens para o tratamento e a prevenção do diabetes do tipo 2.

 Cirurgia do Diabetes - SBCBM

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gostou? deixe sua opinião.